A Evolução da Pobreza no Brasil nos anos Recentes
Exame Anpec

A Evolução da Pobreza no Brasil nos anos Recentes


Hoje pela manhã um interessante post do Blog do prof. Roberto Ellery me motivou a olhar o banco de dados do Poverty & Equity Data mais de perto para o caso do Brasil. Esse banco de dados é muito interessante e possui diversas informações relevantes elaboradas pelo Banco Mundial. 

No referido post o prof. Ellery mostrava que apesar do aumento do número absoluto de pobres na África Subsaariana, que ocorre desde o início dos dados disponíveis (1981), a proporção de pobres na população africana vem caindo desde os anos 90, tendo se intensificado na última década.

Isso quer dizer que o número de pobres cresce a um passo mais lento do que a população nesses locais. Na África Setentrional & Oriente Médio o número de pressoas vivendo com menos de 1,25 dólares por dia caiu em termos absolutos. O mesmo ocorreu na América Latina. Durante os anos 90, mesmo o número absoluto de pobres tendo crescido, o número proporcional (o poverty headcount ratio) começou a cair na virada dos anos 80, subiu um pouco no final dos anos 90 devido as crises ocorridas nos vários países da região e nos anos 2000 vem caindo mais firmemente, números absolutos e proporcionais.

Movimento similar a este ocorre também no Brasil, o gráfico abaixo mostra os dados para várias linhas de corte de pobreza adotados pelo Banco Mundial: US$ 1,25; $ 2,00; $ 2,50; $ 4,00 e $ 5,00. No Brasil, ao longo de quase todos os anos 90, o número absoluto e proporcional de pobres se mantém relativamente estável. A exceção está para a queda entre 90/92/93 e 95 de 17% para 11% (linha de US$ 1,25). Esses anos não estão no gráfico devido a omissão de 91 e 94 e também porque eu precisava começar de algum ano. Em particular, após os anos 2000, dois anos são importantes e estão assinalados: 2001 e 2003. Em 2001 a proporção começa a cair antes do número absoluto e em 2003 o número absoluto cai de maneira mais marcada e a queda da pobreza se mantém desde essa data. Segundo dados do Banco Mundial em 2009 são aproximadamente 12 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 dólares por dia.

Graf. 1 - Evolução da Pobreza para o Brasil 1994-2009 segundo diversas linhas de corte do BM
Fonte: Poverty & Equity Banco Mundial.
link: http://povertydata.worldbank.org/poverty/country/BRA
OBS.: O ano de 2000 foi intepolado pois a informação era faltante no banco do Poverty & Equity.

Diversos detalhes estão por trás dessa conta de redução da pobreza. Um deles é o conceito de Purchasing Power Parity (PPP) o qual já falamos em outras ocasiões neste blog. Ao ver os dados tive a impressão de que os ganhos na redução da pobreza poderiam ser ainda maiores expurgando-se o efeito da inflação, ou ainda, o que é mais ou menos ou inverso, não teríamos ganho de redução na pobreza se as linhas de corte fossem corrigidas. Essa impresão é bastante baseada em uma matéria que a Folha de S. Paulo fez sobre o assunto. Além de matéria do Correio Braziliense e outras opiniões e matérias no mesmo sentido em um cenário de fraco crescimento, um mesmo nível para a subida de preços é sentida de maneira mais forte.

Resumindo o ponto, o ganho de renda dos mais pobres precisa ser mais rápido do que a perda de poder aquisitivo devido à inflação. Em uma analogia, a população mais pobre do Brasil precisa subir uma escada rolante ao reverso e para isso precisa aplicar uma força maior nessa subida, pois se ela parar em determinado ponto da escada, vai começar a descer novamente arrastado pela escada. Uma país sem inflação seria como uma escada comum, onde não há perda devido ao "arrasto" da inflação caso a pessoa fique parada.

Como sabemos que o PIB brasileiro não está crescendo em ritmo acelerado, nem a massa salarial, a impressão que fica é que não estamos subindo a escada a passos rápidos a se considerar o arrasto contrário da escada. Porém, na prática, a questão é bem difícil de responder, principalmente por dois motivos: 1) O cálculo do Banco Mundial já está ponderado pela Paridade do Poder de Compra (PPP no inglês), não sei exatamente os detalhes da PPP obtida pelo banco mundial, mas em geral, uma taxa assim tenta manter uma taxa de câmbio que mantêm o poder de dólar fixo, ou seja, considera a diferença da inflação interna e externa dentro do câmbio; 2) Na contramão da PPP, o câmbio nominal valorizou durante quase todo o período, ou seja, pelo menos no mercado cambial, o dólar estava perdendo valor em relação ao Real, mesmo que pouco, ganhar até US$ 1,25 quando essa moeda está perdendo valor frente à moeda nacional não é uma boa ideia para o combate da pobreza.

Sendo assim, minha suspeita inicial é de que o Brasil deveria ter tido muito sucesso no combate a pobreza de US$ 1,25, mas que boa parte dos que sairam desse grupo debaixo deveriam ficar estagnados nos grupos imediatamente superiores e ganhos em outros níveis de corte deveriam ser menores, e eles de fato são maiores para valores de corte menores, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1 - Queda Porcentual e número de pobres que saíram da pobreza de 2003 a 2009
Linha de corte ___| Queda pct___ | No. pessoas (milhões)
______$ 1.25_________|____42%_______| 8.49____________________
______$ 2.00_________|____44%_______| 16.1____________________
_______$ 2.50_________|____40%_______| 19.39___________________ 
_______$ 4.00_________|____31%_______| 24.46____________________
_______$ 5.00_________|____25%_______| 22.91___________________ 
Fonte: Elaborado a partir do Poverty & Equity Banco Mundial.

As maiores quedas porcentuais ocorreram para os grupos abaixo de $ 2,50, mas em número absolutos a queda foi maior entre $ 4,00 e $ 5,00 (sem contar que há um efeito de base). Mais certo é dizer que a queda ocorreu para todos as linhas de corte e de uma maneira mais ou menos equanime entre os grupos. Isso me induz a dizer que a matéria da Folha 'linkada' acima precisaria de maior aprofundamento, pois o que a afirmação de que R$ 7,00 de correção inflacionária tiraria milhões da pobreza, sugere que os ganhos para sair da pobreza seriam bastante marginais, acho que não é o caso.

Em último esforço para entender a situação em um nível um pouco maior de detalhes fiz uma análise do câmbio real (obtido de uma comparação entre o IPCA brasileiro e o CPI norte-americano), a taxa de câmbio nominal e uma taxa PPP obtida do índice Big Mac.

Graf. 2 - Evolução das taxas de câmbio nominal, Real e Big Mac PPP
Fonte: CPI: U.S. Bureau of Labor Statistics
IPCA: IBGE/SNIPC obtido do http://www.ipeadata.gov.br/
Big Mac PPP: http://bigmacindex.org
Câmbio Nominal: anual: BCB - Boletim/BP obtido do http://www.ipeadata.gov.br/

Tanto pelo câmbio real calculado de uma maneira mais rápida e grosseira acima quanto pelo câmbio do Big Mac calculado pelo Mac Donalds®, digo The Economist®, depois de 2006 as duas maneiras de medição da PPP indicam que o câmbio nominal esteve supervalorizado. A sobrevalorização tem um efeito positivo na importação e aumenta o poder de compra em relação aos importados, por outro lado o câmbio PPP deveria ser mais elevado por conta da moeda brasileira se desvalorizar pela inflação mais rapidamente que o dólar. Isso quer dizer, comparar valores em dólares é de certo modo mais seguro dos ganhos do que compará-los em reais (maior ancoragem). Comparando com câmbio real (Big Mac ou Calculado) o ganho de renda dos mais pobres é dificilmente anulado (mesmo se corrigíssemos as linhas de corte pela inflação).

Finalizando, apesar dos ganhos em redução da pobreza, parece claro para muitos economistas hoje que a mão de obra brasileira infelizmente não tem ganhado muito em termos de produtividade, o que se configura em um grande quebra-cabeças aliar valorização do salário mínimo em conjunto com produtividade do trabalho que está estagnada (eu tenho algumas hipóteses, mas isso é tema para outro post). Caso o aumento da produtividade ocorresse, talvez a queda da pobreza pudesse ser ainda maior e ocorreria com maior crescimento econômico. No que diz respeito ao câmbio, vimos que o câmbio nominal esse ano teve forte desvalorização, não sei bem ao certo quais as consequências desse novo patamar cambial, mas não parece que os ganhos de produtividade advirão daí.



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