A cada três anos a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior) realiza avaliação dos cursos de pós-graduação existentes no Brasil. Essa avaliação leva em conta o número de artigos publicados pelo departamento, a colocação desses artigos nos journals internacionais, o número de mestres e doutores formados, produção de conhecimento acadêmico de fronteira, qualidade das instalações, horas-aula, atendimento à alunos de outras nacionalidades, recursos institucionais e uma sére de outras medidas para auferir e qualificar o curso dentre os seus pares na área.
Esse ano, o curso de demografia da UFMG, do qual participo como aluno do doutorado, recebeu a distinção máxima (nota sete), na avaliação da capes. A distinção foi devidamente comemorada por todos no departamento, pois é o reconhecimento do trabalho científico realizado pelo centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR), centro que reune as pós-graduações nas áreas de economia e demografia aplicados à área de ciência regional.
Na foto, o professor Clélio Campolina (de terno no centro, fundador do Centro), demais distintos professores, funcionários e alunos da Demografia, antes do coquetel que comemorou a nota 7 da CAPES.
Conto aqui um pouco de minha história acadêmica que me levou ao doutorado em demografia e porque vejo essa área como importante para o estudo de ciências humanas e sociais.
Sou um economista
hard, para os quais defino assim um economista que respira, pensa, ensina, bebe e digere economia 24 horas por dia. Os economistas assim denominados desenvolvem uma forma muito particular de pensar sobre os problemas do mundo, certa vez, ouvi de um professor que um bom curso de economia não é aquele que ensina técnicas no qual o aluno aprende conceitos e aplicações sobre o que é ensinado, mas sim um curso que ensina a
como pensar sobre determinados problemas básicos.
Em verdade, creio que um cientista econômico ativo se torna, antes de tudo, um sujeito muito criativo. O economista deve ser responsável por coordenar lógicamente problemas relacionados à escolhas sociais é o profissional que delimita o que devemos fazer pelo bem-estar humano e material de uma sociedade e decide rumos. Por vezes, se tornam criativos demais, e necessecitam colegas de outras áreas (a chamada multidisciplinariedade) para lhes colocar os pés no chão.*
Devo minha formação como economista à uma base sólida na
UnB, fui aluno aplicado, índice de rendimento acadêmico 4/5, talvez aplicado até demais, já que alguns defendem que só se aprende economia mesmo durante o mestrado. Mas não vejo assim, entendo que há bons alunos de mestrado provindos de outra áreas de formação que são bons no manejar da técnica mas sem base sólida, não
pensam muito como economista. Outros desenvolvem muito bem isso.
A UnB me deu uma base sobre a qual sou grato até hoje. Para ingressar em um mestrado de economia é uma boa idéia fazer o exame nacional da ANPEC (Associação Nacional dos centros de Pós-graduação em economia). Esse exame segue uma lógica interessante**, uma prova nacional composta de seis provas:
1. macroeconomia.
2. microeconomia.
3. matemática.
4. estatística.
5. economia brasileira
6. inglês
Cada centro pode optar pelos pesos que se atribui a cada uma das provas, geralmente isto está ligado à linha acadêmica do centro. A maioria deles adota o padrão de peso igual a 0.2 para os cinco primeiros exames, o inglês não se pode tirar zero, mas não conta para a clssificação. Funciona mais ou menos como um vestibular unificado, mais ou menos o que o ENEM quer realizar para as universidades. Os candidatos listam os centros de preferência e depois do resultado são convidados de acordo com a classificação.
Pois bem, como aluno comprometido eu tinha a meta de ficar entre os 100 primeiros. Fiz o exame duas vezes, uma em 2003 antes de me formar (na qual fiquei lá pelos duzentos e não aceitei nenhuma oferta) e a segunda vez para a qual me apliquei mais e consegui ficar perto dos 100. Embora não tenha conseguido ficar entre os 100 primeiros como era a meta. O que ocorre é que na ANPEC o sistema de classificação é relativo, já que as notas em cada uma das provas são normalizadas pela média e desvio padrão. A prova que mais distingue os 'meninos' dos 'homens' é a de matemática. Foi a que mais estudei, porém, ainda assim, no meu conjunto de provas , matemática foi a que obtive o pior desempenho. Minha explicação do quadro aqui é a seguinte:
1. Ao longo do curso de economia não fui orientado sobre o peso que matemática teria para uma pós-graduação. Na verdade, vim de uma família de pais com nível superior mas não-acadêmicos, ao entrar na universidade nem tinha uma idéia do que era mestrado e doutorado. Os professores também não procuram esclarecer muito, acho que pelo costume de muitos desistirem ao longo do caminho. Vim a ter concepção melhor do que é uma pós ao final do curso. Por conta disso, no curso todo me concentrei nas matérias de economia e não tanto nas de matemática, fiz algumas sim, mas visto do ponto de vista retrospectivo, eu teria pego mais opcionais na matemática.
2. Pode ser que pegar matérias na matemática não me ajudasse muito, sempre fui um tanto melhor com matemática aplicada. Sendo que muitos conceitos e técnicas matemáticas eu incorporei melhor depois de saber melhor para quê serviam. Falha minha, eu sei, mas também traço de persona.
3. Por conta de 2, e de uma carreira escolar de altos e baixos na matéria, sempre fui um pouco nervoso com provas de matemática. Ainda assim, gosto de matemática, tanto que escolhi economia, só me esqueceram de avisar que ela teria um peso maior.
Fim do quadro: não adiantou ter ido muito bem (acima das expectativas) em estatística, superbem em economia brasileira (dentro das expectativas), bem em macroeconomia (dentro das expectativas) e bem em microeconomia (um pouco abaixo da expectativa já que micro era meu forte durante o curso de graduação). O resultado pífio em matemática (abaixo até de minhas baixas expectativas) não me garantiu os 100 primeiros.
O objetivo de estar entre os 100 primeiros estava muito vinculado à UnB que tendia chamar candidatos de preferência abaixo dessa linha de corte e demorava um pouco a definir posição e passar para acima da linha. O cedeplar ao contrário, era minha segunda opção, mas mais incisivo e rápido na chamada. Ao ir para o cedeplar eu sairia da zona de conforto, mas nem tanto, já que sou mineiro e de família em Belo Horizonte. Uma visita ao cedeplar (ainda no centro da cidade) me mostrou um centro bem acolhedor.
Vir à Belo Horizonte foi uma escolha extremamente bem acertada. Fora um deslize ou outro o mestrado correspondeu muito bem às minhas expectativas. Pude contar com uma turma de colegas de férrea aplicação aos estudos acadêmicos. Digo que não fui tão excelente aluno quanto fui na graduação, até porque o restante da turma de 2005 era de muito alto nível, mas me saí razoavelmente bem, e com bom nível de aplicação. Os recursos do centro vinham em uma ascendente até chegar ao excelente nível de hoje, tivemos professores dedicados que souberam puxar os alunos (em um ou outro caso poderiam exigir mais e na direção correta), e entre os professores destaco minha orientadora, Ana Flávia Machado, que foi decisiva para conclusão da dissertação com sucesso, sendo laureada com o 2º lugar no XXX premio de economia do BNDES em 2008. Considero isso como um sucesso não só meu e de minha orientadora , mas também do centro e de toda minha turma.
Defendi dissertação no ínício de 2007. No período pós defesa meus planos eram de tentar um
apply em alguma instituição dos EUA. Os planos eram Universidade de Austin no Texas, onde trabalhava o prof Paul. Wilson, a universidade de Illinois: Urbana-Champaing, que é forte em microeconometria e universidade da Pensilvânia, pois conhecia um professor amigo que se formou lá. Fora as duas primeiras, qualquer outra universidade norte-americana pareceria muito difícil. Pensei em Austrália, já que lá ha bons professores em eficiência-técnica (minha área), mas ir para a terra dos cangurus para outro motivo que não turismo me pareceu sem propósito, descartei a idéia.
Pois bem, afora um ou outro incentivo pontual, passar pelo calvário burocrático que é tentar uma bolsa capes-fullbright, propositadamente difícil, me desestimulou muito, não encontrei estímulos externos, o centro de economia não tem uma tradição muito forte em mandar alunos para o doutorado fora. A exceção é Illinois, porém, a formação de Illinois parecia-me boa apenas pelo carimbo USA, e pela mudança de ares, que causa um tremendo impacto de estudo, mas não tanto pela formação em si. Não sei se por conveniência ou por real maturamento, comecei a pensar que muito da formação em doutorado no exterior é um fetichismo brazilianista e que em alguns aspectos e para determinados centros a formação aqui no Brasil não deixa nada a dever as lá de fora. E hoje em dia, com papers de bons journals na internet, é cada vez mais fácil se inteirar da fronteira acadêmica sem necessitar de presença física.
De todo modo, não havia uma corrente pra frente pra alguém da nossa turma ir para fora. Tanto que até o presente momento ninguém o fez, nem mesmo dentre aqueles que reuniam melhores condições do que eu.
A essa altura foi-me promissor o doutorado em demografia. Ajudou muito o contato prévio que tive com os professores da área, enquanto que a economia parecia um tanto parada nesse aspecto de contato com as demais universidades de fora, na demografia esse isso se encontrava em franca expansão, tanto que levou à merecida nota. Além do mais, como bom microeconomista, acreditava que a demografia desenvolvia uma análise pormenorizada do aspecto micro do comportamento humano individual.
A demografia me ensinou bastante como economista, tanto no lado macro quanto em termos microeconômicos. No quesito macro, depois de estudar demografia alguns movimentos oscilatórios da economia, preferências sociais e propriedades emergentes de resultados se tornam bem mais claros. Na verdade, passa a ser incrível, como tantos e tantos macroeconomistas desprezam a importância do componente demográfico. Em um lado mais geral o que a demografia ensina é uma noção de sistema dinâmico, os economistas até hoje se debatem com isso, mas na demografia está tudo lá, é tudo dinâmica. E é perfeitamente possível extrapolar o estudo da demografia não só para o contigente de contagem humana, mas sim para as relações humanas e as coisas que importam para vida sobre a Terra e em sociedade. Um exemplo claro:
"É impossível pensar demanda habitacional sem pensar o movimento populacional".
"Isso é óbvio!" - dirão alguns economistas pejorativos, no entanto, mesmo para demanda habitacional os economistas tratam muito mal o assunto (com execeções para algumas áreas, em particular, previdência e saúde). E depois que se pensa em habitação, não há porque não pensar também em efeitos no mercado financeiro, crédito, na formação de capital humano, no câmbio, previdência, nos preços, consumo de bens duráveis, investimentos, saúde, enfim, 'n' outros motivos visto que citei apenas os mais imediatos. Incrivelmente os economistas não inserem quase nada desse componente das populações em seus modelos macro e hoje me parece um extremo absurdo conversar macroeconomia sem inserí-los.
Do lado micro, em demografia se vê técnicas mais aplicadas às comparações entre indivíduos, caracterização de grupos. Enfim, o tratamento dos microdados foi o que mais me atraiu, assim como a diversa caracterização de nuances na escolha individual sobre a qual os demógrafos se debruçam. Sob certos aspectos a demografia em certos momentos me parece mais científica, pois não há teses científicas a serem confirmadas, mas um conjunto de hipóteses sobre os dados que precisa ser testada. O fato da demografia não ter uma teoria só, mas um conjunto de conceitos e evidências empíricas regulares, que buscam uma teoria ou um conjunto delas para explicar-lhes, constitui, a meu ver, um progresso e uma análise mais isenta do que aquela que ocorre em vários momentos para economia no Brasil.
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* Bem verdade, que há vários economistas pouco criativos aí no mercado, e alguns que se dizem economistas mas não passam de meros embusteiros pouco embasados, isso se atém aos maus profissionais, assim como há maus médicos, engenheiros, advogados, arquitetos, agronomos, etc... Um pouco de educação econômica geral, ajudaria a sociedade a distinguir o joio do trigo nessa matéria.
** Felipe Bardella mostrou acadêmicamente porque isso pode ser considerado interessante. O sistema de escolhas da ANPEC pode ser visto como um mercado de dois lados, Bardella mostrou como podem ocorrer matchings e atrições na escolhas das instituições e seus alunos e dos alunos e suas instituições. Clique aqui para a dissertação.
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